domingo, 30 de maio de 2010

Trono da Graça (Gnadenstuhl) cruciforme

"Deus amou de tal modo o mundo que entregou o Seu Filho."
Evangelho segundo S. João 3, 16
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«Os mais antigos exemplos conhecidos [deste tipo de representação do mistério da Santíssima Trindad] devem datar de finais do século XI e inícios do século XII.
Segundo investigações relativamente recentes, encontrou-se em Inglaterra este tema representado numa pintura mural na Saint Mary’s Church, em Houghton-on-the-Hill (Norfolk, a 4 milhas de Swaffham), datada de ca. 1090. (
-->http://www.saintmaryschurch.org.uk/image.asp?ImgId=17) A confirmar-se esta data, seria este o mais antigo exemplo de uma representação deste tipo. Os outros exemplos, encontrados em livros manuscritos, foram datados dos inícios do século XII.
Tentarei propor, de forma muito breve, uma hipótese que explica o surgimento deste tipo iconográfico, partindo do exemplar inglês. Trata-se de uma explicação muito pessoal, diferente da habitualmente proposta.
Esta primeira representação do tipo chamado Gnadenstuhl parece-me estar relacionada com a liturgia do Domingo de Ramos. Na Inglaterra, antes de la reforma dos Tudor, venerava-se de forma solene, neste dia, a cruz do Rood-screen. Esta estava por vezes pintada no arco triunfal da igreja, como é o caso da igreja [St Agnes] de Cawston também em Norfolk. O véu, que cobria a cruz desde o princípio da Quaresma, era afastado por meio de roldanas e toda a paróquia se ajoelhava, enquanto se cantava o hino “Ave Rex Noster”, onde se dizia: “Em verdade tu és a vítima salvadora que o Pai enviou ao mundo”. Parece-me estar aqui a origem desta representação, a qual pode derivar do ponto de vista formal da representação do tipo Paternitas, tal como se pode ver numa iluminura do Saltério anglo-saxão, Códex Harley 603, da British Library, do século X-XI , na qual o Pai abraça o Filho, representado como Menino. Esta iluminura tem muitas afinidades estilísticas com o nosso fresco de Houghton-on-the-Hill. Mas mais próximas do tipo Trono de Graça são as Paternitas esculpidas nos pórticos espanhóis, uma vez que nelas o Menino tem os braços abertos em forma de cruz.
Na plataforma do Rood-screen costumava cantar-se no Domingo de Ramos o evangelho da Paixão, precisamente por baixo da cruz. Não é de admirar, por isso, se o mesmo tipo de representação da Trindade aparece num Evangeliário, conservado na Bibliothèque municipale de Perpignan, na Catalunha francesa, com desenhos de página inteira. Este Evangeliario deve provir da abadia de S. Miguel de Cuixà. A referida imagem encontra-se no verso de um fólio em cujo lado recto está representada uma Majestas Domini.
A representação mais antiga deste tipo iconográfico em Portugal, que é o mais difundido, é uma escultura em pedra de Ançã, do século XIV, proveniente do Convento dos Frades Pregadores (dominicanos) de Évora, actualmente no Museu de Évora, Inv. 1737 (138 x 42 x 33 cm.). De notar a pequena dimensão das figuras tanto da pomba como do crucificado.
( -->http://triunitas.blogspot.com/2007/11/vora-dominicanos.html

Extracto traduzido (com actualização) de: Fr. António-José de Almeida OP - "Imágenes de Dios: La representación de la Santísima Trinidad en libros impresos en Portugal en el siglo XVI", in Estudios Trinitarios, Salamanca, ISSN 0210-0363, vol. 42 (2008), nº 3, pp. 396-399.
Última modificação desta postagem em: 5/9/2010

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