domingo, 4 de novembro de 2007

Fr. Diogo do Rosário O.P., 'Flos Sanctorum'

A segunda edição do Flos Sanctorum de Fr. Diogo do Rosário sairá da oficina de António de Mariz, (...) sediada (...) em Coimbra. O rosto da IIª Parte desta edição tem semelhanças com as portadas do Missal de Valência (Missale Valentinum), impresso em Veneza, por Luca Antonio de Guinta, em 1509 [1]. Desta segunda edição do Flos Sanctorum de Fr. Diogo do Rosário descobri três impressões diferentes nas minhas pesquisas, às quais chamei A, A bis e B [2].
Anselmo [3] descreve a portada da impressão B como: “port[ada] que na parte sup[erior] tem a fig[ura] de Cristo Salvador (...)”
[...]

A descrição feita por Anselmo da parte superior, ou cabecel, desta portada, que transcrevemos acima, é incompleta e apressada, pelo que resulta, quanto à identificação iconográfica, incorrecta. No que diz respeito à figura central, trata-se de uma descrição rápida. Dentro de um frontão curvo, no centro do tímpano, está representado sim Deus Pai na figura de Cristo em majestade – identificada por Anselmo como “a fig[ura] de Cristo Salvador” –, ladeado por dois anjos em atitude de adoração, as mãos postas, tratando-se com toda a probabilidade de dois dos três arcanjos (Miguel e Rafael). À esquerda do Pai, desce em voo picado a Pomba que representa o Espírito Santo. Nos pilares ou colunas que sustentariam este frontão deveriam estar representados (...): à nossa esquerda o arcanjo São Gabriel (o terceiro que falta) saudando a Virgem Santa Maria, que estaria figurada na pilastra da nossa direita, sobre ela descendo a Pomba do Espírito Santo que está no tímpano, incarnando no seio da Virgem o Verbo de Deus. O exterior do arco está ornado com a inscrição “.AD LAVDEM. ET. GLORIAM. SANCTISSIME. TRINITATIS.”, o que nos indica estarmos na presença da representação da Santíssima Trindade, o que corrobora a identificação que proponho. A mesma inscrição aparece já, neste caso por baixo da figura do Todo-Poderoso ladeado por dois anjos, no cabecel do frontispício [das duas partes da Erudita in daviticos psalmos expositio [4]], impresso em Alcalá de Henares, na oficina de Miguel Eguía, em 1524, o qual (...) é cópia fiel do impresso veneziano, executado na oficina de um membro da célebre família de impressores, os Giunti, que tinha outros membros instalados pela Europa, inclusive em Espanha. No impresso complutense faltam também, como no nosso caso, as colunas que sustentariam primitivamente o frontão, notando-se todavia a parte superior dos capitéis, semelhante à que figura nos exemplares impressos em Valência [5]. Nestes frontispícios valencianos só falta a inscrição. Tanto no veneziano como nos espanhóis, falta a Pomba do Espírito Santo, que figura na entalhadura portuguesa. Vemos pois, como já Erwin Panofsky [6] tinha assinalado, que a figura de Cristo em majestade pode representar a Divindade, e por isso ser a representação icónica da Santíssima Trindade.

Extracto de: Fr. António-José de ALMEIDA O.P. - “A mobilidade do impressor quinhentista português António de Mariz”. In Artistas e Artífices e a sua mobilidade no mundo de expressão portuguesa. Actas do VII Colóquio Luso-Brasileiro de História da Arte. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2005. ISBN 978-972-8932-25-1 (publicado em 2007). pp. 59-68.

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[1] Antonio ODRIOZOLA - Catálogo de Libros Litúrgicos Españoles y Portugueses, impresos en los siglos XV y XVI. Pontevedra: Museo de Pontevedra, 1996. nº 87.
[2] (Fr.) António-José de ALMEIDA (OP) - Imagens de Papel: «O Flos sanctorum em linguagem português» de 1513 e o de Fr. Diogo do Rosário OP. A problemática da sua ilustração xilográfica. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto - Departamento de Ciências e Técnicas do Património, 2005. Tese de Doutoramento (policopiada). IIª Parte, 2.1.2.
[3] António Joaquim ANSELMO - Bibliografia da obras impressas em Portugal no século XVI. Lisboa: Biblioteca Nacional, 1926 (reedição anastática em 1977). nº 872 (pp. 252b-253a).
[4] Blanca GARCÍA VEGA - El grabado en el libro español. Siglos XV-XVI-XVII (Aportación a su estudio con los fondos de las bibliotecas de Valladolid). Valladolid: Institución Cultural Simancas, 1984. 2 vols. ISBN 84-505-0092-3. fig. 54, cat nº 49.
[5] Em 1528, Joan Joffre imprime esta portada em duas obras: o Tractatus seu Questio de secreto..., de Arnaldo Albertini [
B. GARCÍA VEGA, op. cit., fig. 70, cat nº 845], e as Questiones super quartum librum sententiarum, de Juan de Celaya [Francisco MENDOZA DÍAZ-MAROTO - La Pasión por los Libros. Un Acercamiento a la Bibliofilia. Madrid: Editorial Espasa Calpe, 2002. ISBN 84-670-0147-X. fig. 58, p. 134].
[6] Erwin PANOFSKY - Peinture et Dévotion en Europe du Nord à la fin du Moyen Âge. Paris: Flammarion, 1997. ISBN 2-08-012630-X. pp. 63-71

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